A Psicanálise Relacional ao mais alto nível. A recuperação do diálogo Psicanalítico Ibérico. O 1º Congresso Ibérico de Psicanálise Relacional. Razões que se bastam a si próprias para emoldurar a grande expectativa em torno deste encontro singular, como tem sido característica da APPSI e IARPP-Portugal, dedicado às “Transformações” na clínica Psicanalítica. Para vislumbrar um pouco do que por lá se vai passar, fomos falar com alguns dos principais oradores, aos quais colocámos as mesmas perguntas.
Manuel Matos
Psicanalista, Vice-Presidente da Direcção da IARPP-Portugal e Vice-Presidente da Direcção da APPSI; Professor da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa
1. O que espera do 1º Congresso Ibérico de Psicanálise Relacional, que vai ter lugar em Cáceres?
Começaria por lembrar que, em termos oficiais, o número de falantes de línguas ibéricas ronda os 690 milhões (450 milhões de língua espanhola, 240 milhões de língua portuguesa), com uma tendência crescente, que veiculam culturas e identidades bastante próximas e que unem 30 países.
Para além da Península Ibérica, o que acontecer neste 1º Congresso terá eco nos países latino-americanos, nos quais a Psicanálise Relacional é ainda incipiente, como é o caso do Brasil, e cuja “cultura de proximidade” se coaduna bem mais com uma prática relacional e contemporânea do que com uma prática dita clássica que, como sabemos, tem tendência a incluir, quase exclusivamente, as investigações teórico clínicas dentro da metapsicologia freudiana.
Considero estes factos importantes ao nível da IARPP Internacional, sendo desejável que o seu epicentro se desloque progressivamente dos Estados Unidos da América para outros países componentes da IARPP Internacional.
Nesta mesma linha de pensamento, seria importante que este 1º Congresso Ibérico, desse origem a uma iniciativa conjunta de publicação periódica em espanhol e em português sobre Psicanálise e Psicoterapia Relacional.
2. Qual a relevância de falar em “Transformações” no contexto Psicanalítico actual?
A clínica mostra-nos que grande parte das perturbações psíquicas da actualidade se devem a distorções relacionais precoces que afectam as bases narcísicas e identitárias daqueles que nos procuram para uma Psicanálise ou uma Psicoterapia.
A complexidade de uma experiência precoce, por um lado, e a imaturidade do aparelho psíquico, por outro, resulta em situações traumáticas, mais ou menos evidentes.
Assim sendo, boa parte do trabalho psicanalítico assenta em processos de reconstrução que devem retomar situações traumáticas em “après-coup”; acedendo por essa via à representação simbólica.
Podemos mesmo dizer que a primeira de todas as transformações, em relação a certos conteúdos e vivências psíquicas, acontece quando (no âmago de relação psicanalítica) uma realidade concreta passa da apresentação repetida à representação psíquica.
A actualidade psicanalítica depara-se cada vez mais com a “problemática do inacabado” à espera e transformações psíquicas; assunto que mereceria ser pensado como mote para futura reunião científica.
3. Qual a característica mais relevante que um Psicanalista/Psicoterapeuta deve ter para permitir a criação de um espaço de transformação numa relação terapêutica?
Serão várias. Saliento algumas:
– Uma sólida formação que assente numa experiência psicanalítica pessoal, positiva e consistente;
– Um trabalho de supervisão dos seus casos clínicos com um colega experiente;
– Um referencial teórico de perspectiva relacional vasto, mas não enclausurante, sem a pretensão de estabelecer correspondência entre aquilo que acontece no “setting” analítico e um pressuposto saber prévio.
– Uma capacidade pessoal de se deslumbrar com o que se descobre sobre o funcionamento psíquico, predominantemente inconsciente e na relação com o analisando; balizado e a título de exemplo por autores como S. Ferenczi , R. Fairbairn, D. Winnicot, Th. Ogden, Ch. Bollas, entre outros.
Filipa Canêlo
Gonçalo Neves
[Entrevista realizada por e-mail]