Relationality – From Atachment to Intersubjectivity
Stephen A. Mitchell
“Other people were what Freud called “accidental” factors, attaining importance only through serendipitous linkage with drives“.
Um fator claro e importante ressalta: durante a leitura deste livro, fiquei com a sensação de estar em constante diálogo com o autor. Stephen Mitchell consegue criar uma relação onde puder existir uma. A particularidade de estar perante um livro não foi redutora. Criou-se uma relação entre o leitor e o autor onde, a cada página, surgia a possibilidade de um novo diálogo.
Este foi o último livro escrito por Stephen Mitchell. É natural surgir uma certa nostalgia por estar perante a última obra deste autor, o que me fez pensar na sua finitude criativa. Assim como a morte está para a vida, também a ultimo livro de um autor esgota esta possibilidade, de continuar a registar, criativamente, pensamentos num pedaço de papel. Neste livro, esta dedução não se afigura como verdadeira. Após a leitura, percebemos que estamos perante um objecto inspirador, que poderemos utilizar, servindo-nos dele para o trabalho psicoterapeutico, como expressão de nós e do paciente. Uma expressão gerada pelo encontro.
Talvez os grandes livros existam para que outros se sintam forçados a dar continuidade ao pensamento do autor. Talvez os livros existam para que determinadas pessoas continuem vivas. Se isto fôr verdade, não estamos somente perante um livro vivo mas, também, perante um autor que não morre.
Qualquer das formas é um trabalho analítico, riquíssimo, contemporâneo e que se afigura presente no futuro. Amanhã poderei perceber coisas novas neste mesmo livro. Parece que existem conceitos que, ao invés de se fecharem sobre si próprios, proporcionam a possibilidade de se recriarem, de serem re-inventados. Talvez seja esta a verdadeira conquista de um livro, a sua grande virtude: ser co-construtiva.
O tema central, e que surge desde logo no prefácio, prende-se com a interação que a mente humana mantém com o outro. Este pensamento de Mitchell é extremamente actual, está “up-to-date”. Pesquisas recentes demonstram esta previsibilidade (Mitchelliana) da relação e, simultaneamente, da constituição e desenvolvimento do cérebro humano. A relação entre o cérebro e o meio está intimamente ligada. Os genes podem condicionar o desenvolvimento, no entanto, é o meio que lhe dá a forma. O cérebro é um órgão que está dependente do meio, é um órgão social que se desenvolve a partir das interacções.
Há 10 anos, tal como surge no prefácio, Mitchell falava de uma emergência (pela necessidade) de uma atitude mais interdisciplinar. Assim, ao invés de uma atitude competitiva entre as várias linhas teóricas, o autor já pensava na necessidade de uma confluência teórica que, em última analise, pudesse afetar a dimensão relacional.
Nos dois primeiros capítulos, disserta sobre os contributos de Hans Loewald. Reconhece a importância dos trabalhos de Loewald nas bases do pensamento da psicanálise relacional. Um dos mais importantes pontos de abordagem nos trabalhos de Loewald, para além da intersubjetividade, relaciona-se com a linguagem. Loewald defende que a “linguagem transcende a distinção entre pré-verbal e verbal e que esta, também desempenha um papel fundamental desde os primeiros tempos de vida”. Neste capitulo, há ainda uma abordagem aos trabalhos de Stern e Sullivan e, simultaneamente, compara-os com os trabalhos de Loewald.
Fica muito clara a posição de Loewald, a sua contribuição e a sua marca no pensamento relacional contemporâneo. Mitchell reconheceu em Loewald os primórdios do pensamento que contemplava a combinação da experiência humana do intrapsíquico com o interpessoal. Nas vinhetas clinicas, fica também bastante clara a singularidade de Mitchell, porque surge o espaço de acesso, para a forma e conteúdo do seu trabalho clinico (notável).
No terceiro capitulo Mitchell desenvolve o tema da “Hierarquia Interativa”. Esta designação reflecte um projecto para introduzir quatro categorias diferentes, com perspectivas também elas distintas, através das quais a relação se pode estabelecer. Mitchell chama a estas categorias: “modes”. Elas surgem e designam quatro dimensões interactivas, através das quais a “realação” pode operar. São conceitos que estão próximos “estádios de desenvovimento” e das “posições”. São como ferramentas de trabalho para a prática clinica. Desta perspetiva surgem os quatro modos, que são sequenciados pela sua densidade e complexidade:
Modo 1- Comportamento não reflexivo.
Uma dimensão que assenta naquilo que as pessoas fazem umas com as outras. Comportamento pré- simbólico. A forma através da qual, o campo relacional é organizado, numa influencia reciproca e regulação mutua.
Modo 2- Dimensão da permeabilidade afetiva.
A experiência partilhada de troca de afectos intensos através da permeabilidade dos laços relacionais.
Modo 3- Configuração Self/Outro.
Experiência organizada através da configuração Self/Outro
Moodo 4- Intersubjetividade. Reconhecimento mutuo do Self/Reflectivo.
No quarto capítulo, Mitchell analisa os trabalhos de alguns psicanalistas e as suas contribuições para a sustentabilidade das ideias expressas neste livro, nomeadamente: Bowlby, Stern, Main e Ainsworth. Neste capitulo faz uma descrição clinica de como os “modos” podem ser utilizados na vinculação, ao mesmo tempo que descreve a sua importância. Os exemplos clínicos que vão surgindo visam consubstanciar a ideia de “modo” e a possibilidade de pensar dentro desta perspetiva.
No quinto capitulo Mitchell analisa mais a fundo o trabalho de Fairbairn, descrevendo a importância que este teve na concepção deste paradigma analítico.
A intersubjetividade surge no último capítulo. O autor aborda a importância da pertença do analista ao quadro analítico. Surge a inevitabilidade da pertença à relação (clinica), assim como a impossibilidade, que o analista tem, de não poder deixar de fazer parte de uma relação com o paciente. Desta decorre uma condicionante: o analista é um sujeito ativo no processo analítico. Neste capitulo, Mitchell faz uma análise das emoções que vão surgindo no contexto terapêutico, nomeadamente o amor e o ódio vivido na relação terapêutica.
Concluindo, é o último livro de um brilhante analista, que fará despertar novas possibilidades de pensar relacionalmente.
Sérgio Silva