A Psicanálise Relacional ao mais alto nível. A recuperação do diálogo Psicanalítico Ibérico. O 1º Congresso Ibérico de Psicanálise Relacional. Razões que se bastam a si próprias para emoldurar a grande expectativa em torno deste encontro singular, como tem sido característica da APPSI e IARPP-Portugal, dedicado às “Transformações” na clínica Psicanalítica. Para vislumbrar um pouco do que por lá se vai passar, fomos falar com alguns dos principais oradores, aos quais colocámos as mesmas perguntas.
Joan Coderch
Psicanalista; Membro Didacta da Sociedade Espanhola de Psicanálise.
1. O que espera do 1º Congresso Ibérico de Psicanálise Relacional, que vai ter lugar em Cáceres?
Espero que estas jornadas sirvam, tal como todas as que se têm vindo a realizar anualmente desde 2009 têm feito, para aumentar o interesse de Psicanalistas e Psicoterapeutas, tanto espanhóis como portugueses, pela Psicanálise Relacional. Conheço muitos profissionais de saúde mental residentes em Barcelona que até agora não tiveram contacto com a Psicanálise Relacional e que vão a estas jornadas, atraídos pelo prestígio desta nova Psicanálise que, progressivamente, vai crescendo. E desejo enfatizar de novo, porque não se trata de uma nova escola ou orientação dentro da Psicanálise, senão de outra Psicanálise fundada em outro paradigma dificilmente conciliável com o paradigma pulsional. Espero, também, como é natural, que as Jornadas sirvam para fortalecer os laços entre os terapeutas espanhóis e portugueses interessados nesta nova Psicanálise.
2. Qual a relevância de falar em “Transformações” no contexto Psicanalítico actual?
Penso que uma coisa é o emprego do termo “transformação” quando nos referimos às teorias e conceitos de Bion, ou quando estamos a escrever um trabalho ou falando a partir da perspectiva especificamente Bioniana, e outra coisa quando escrevemos ou falamos a partir de uma perspectiva psicanalítica geral. Neste último caso, creio que o termo transformação é útil para enfatizar a profunda reconfiguração que a estrutura mental do paciente pode experimentar, ou do analista, no decorrer da terapia psicanalítica. Mas não creio que se deva substituir o termo “mudança” que é o que até agora se tem vindo a utilizar em Psicanálise, isto por duas razões fundamentais, entre outras. A primeira porque penso que é melhor que a linguagem psicanalítica se aproxime o mais possível da linguagem habitual, que se faça o mais compreensível possível para que a sociedade e a cultura superem o actual alheamento da Psicanálise. A segunda, mais importante que a primeira, é que a Psicanálise também deve dialogar com as disciplinas científicas que a enriquecem, e as quais pode enriquecer, e o termo “mudança” (change), é utilizado pela ciência para indicar que uma entidade, um processo ou um fenómeno experimentaram algum tipo de modificação, que não são exactamente como eram antes, que alguma coisa mudou, etc. Assim, por exemplo, na terminologia própria das “ciências da complexidade”, a partir das quais eu acho que hoje em dia todas as ciências devem ser repensadas, tanto as naturais como as humanas, diz-se que “mudar é passar de um estado atractor para outro”. E, procurando outro exemplo, as neurociências explicam-nos que, relativamente à grande plasticidade do cérebro, todas as experiências que vivemos ficam gravadas nos circuitos neuronais, pelo que se diz que depois de qualquer experiência o cérebro mudou. O paciente, como todos os organismos vivos, é um sistema dinâmico, adaptativo e não linear, cujos elementos componentes, como em todos os sistemas dinâmicos e não lineares, tendem a configurar-se num estado “preferido” a que chamamos estado atractor, que constitui a base do que designamos como o nosso carácter ou maneira de ser, com as nossas ansiedades, recursos, defesas, etc. O paciente muda positivamente quando a relação com o analista destabiliza o seu estado atractor e passa a outro estado atractor menos rígido, mais aberto à experiência e mais criativo.
3. Qual a característica mais relevante que um Psicanalista/Psicoterapeuta deve ter para permitir a criação de um espaço de transformação numa relação terapêutica?
Penso que as características desejáveis, que deve reunir um Psicanalista, são sempre as mesmas, seja qual for a situação em que se encontra, já que o objectivo é sempre o mesmo: aliviar o sofrimento do paciente e ajudá-lo a crescer mentalmente. Para mim, o indispensável em todo o processo psicanalítico é a co-criação de um sentimento de ligação segura no paciente. Para mim, o espaço de transformação é a intersubjectividade, criada pela conjunção de duas subjectividades distintas.
Filipa Canêlo
Gonçalo Neves
[Entrevista realizada por e-mail]