A Psicanálise Relacional ao mais alto nível. A recuperação do diálogo Psicanalítico Ibérico. O 1º Congresso Ibérico de Psicanálise Relacional. Razões que se bastam a si próprias para emoldurar a grande expectativa em torno deste encontro singular, como tem sido característica da APPSI e IARPP-Portugal, dedicado às “Transformações” na clínica Psicanalítica. Para vislumbrar um pouco do que por lá se vai passar, fomos falar com alguns dos principais oradores, aos quais colocámos as mesmas perguntas.
Juan Martínez Ibáñez
Psicanalista e Psicoterapeuta; Vogal do Conselho Directivo da IARPP – Espanha.
1. O que espera do 1º Congresso Ibérico de Psicanálise Relacional, que vai ter lugar em Cáceres?
Em primeiro lugar, considero que poder anunciar este Congresso por parte dos capítulos Português e Espanhol da IARPP, é um grande feito. É necessário muito esforço e humildade para poder unir vontades. É muito importante que isto seja reconhecido. Também poder conhecer Michael Eigen de forma directa, permitir-nos-á ampliar o nosso campo de pensamento. Ao tratar-se de um Psicanalista Relacional, deveras original, muito criativo, permitirá pensar de uma nova forma as diferentes características dos seres humanos.
Portanto, as minhas espectativas são que esta organização conjunta seja o começo de um longo caminho que possamos percorrer juntos. Por outro lado, que o título proposto, Espaços de Transformação, dê lugar a que realmente possamos conseguir na nossa mente e na dos demais, esses espaços mentais.
2. Qual a relevância de falar em “Transformações” no contexto Psicanalítico actual?
Este conceito não é novo em Psicanálise. Já Freud o teve em conta ao desenvolver os seus conceitos psicanalíticos, como, por exemplo, a transferência, os sintomas e os sonhos. Somos seres em transformação. Desde que nascemos, mas algo nos dificulta desde o vértice do mental, o qual podemos tornar consciente.
A partir do modelo relacional em Psicanálise, este conceito é muito importante, porque nos permite, tal como fez Bion, pensar sobre conceitos psicanalíticos distintos, que estão saturados pelo uso que lhes temos dado. Um deles, e que me parece central a todos nós, os que se dedicam à saúde mental, é o de ter uma definição da mente.
Para mim, a mente é um processo sempre cognitivo e afectivo, que emerge do corporal e da relação e que tem a função de regular o fluxo de energia e de informação. Portanto, está sempre em transformação, sempre em mudança. E isso obriga a ter de mentalizar, a “pensar os nossos pensamentos”, constantemente. Poder aceitar a nossa contínua transformação é algo difícil para nós, porque desde que nascemos, e ao longo de todos os nossos anos até sairmos de casa para iniciar uma vida autónoma, recebemos uma ideia de que a mente é linear. Praticamente crescemos crendo que não há transformações. Que todo o nosso desenvolvimento está definido de antemão. Por isso considero que poder falar neste Congresso em Transformações é muito importante para desenvolver um modelo relacional em Psicanálise.
3. Qual a característica mais relevante que um Psicanalista/Psicoterapeuta deve ter para permitir a criação de um espaço de transformação numa relação terapêutica?
Tendo em conta que a mente do Psicoterapeuta, nos seus aspectos cognitivos e afectivos, é a sua ferramenta principal de trabalho, a atitude que tenha na hora de olhar um paciente será fundamental. Portanto, deverão ser tidas em conta algumas características para que possa ser possível a criação de um espaço de transformação numa relação terapêutica.
Na minha opinião, uma delas é a de que o terapeuta desenvolva a sua capacidade de contactar com a realidade. De ser o mais autêntico possível nesse contacto com a realidade. Ao falar de realidade refiro-me à ideia da “realidade dos acontecimentos” desenvolvida por Bion. Este realça que é importante que o paciente fale dos acontecimentos reais da sua vida. Isto serve para não negar a importância que a realidade tem e como tal realidade provocará ansiedades que estarão relacionadas com esse eixo real externo. Pelo que o eixo real externo será usado para chamar a atenção sobre os modelos mentais inconscientes que geram as vivências de sofrimento por parte do paciente.
Também é importante que o Psicoterapeuta conheça os aspectos adultos e infantis do paciente, a sua história de vinculação e os modelos mentais que utiliza, assim como os acontecimentos reais externos e a sua relação com os outros. Para isso, será importante que o Psicoterapeuta possa tolerar tanto a incerteza e a ansiedade de não conhecer, assim como a incoerência do relato e a não compreensão. O poder pensar, ou mentalizar, juntamente com o paciente, permitirá poder pensar o coerente e o compreensível. Para ele é fundamental ter paciência. Não nos podemos esquecer de que a finalidade de um tratamento psicanalítico relacional é o crescimento mental de ambos os membros do par terapêutico.
Para poder conseguir o espaço para gerar uma transformação em O (T em O), ou de ter fé em O (F em O), é fundamental desenvolver de forma conjunta a mentalização ou o pensar. Criar espaço na mente do paciente, assim como na mente do Psicoterapeuta e na relação entre eles, é o que permitirá alcançar a dita transformação. Através do esforço doloroso de co-pensar, de co-mentalizar, poderemos conseguir que os pacientes possam permitir-se a possibilidade de evoluir, de crescer até O.
Filipa Canêlo
Gonçalo Neves
[Entrevista realizada por e-mail]